O que as potências nucleares podem fazer com uma potência livre de armas nucleares. Um exemplo instrutivo, para todos os países do mundo, de uma Ucrânia desarmada que não recebeu suficientes garantias de segurança
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A Rússia ameaça lançar um ataque nuclear à Ucrânia. O presidente russo, Putin, testou durante um ataque recente à Ucrânia, um veículo de lançamento projetado para transportar uma carga nuclear.
Entretanto, o chefe da Igreja Ortodoxa Russa, o Patriarca Kirill, prega uma doutrina na qual os cristãos não deveriam ter medo das armas nucleares nem do "fim do mundo" e deveriam ser "soldados nas mãos do Senhor".
O "direito" dos países nucleares à guerra é igual à recusa da legalidade e à desproteção para os países não nucleares
Escrevo estas linhas na esperança de que sejam lidas por pessoas que vivem naquelas partes do nosso planeta que não estão protegidas nem por armas nucleares contra a invasão de um país nuclear, nem pelo sistema de defesa conjunto da OTAN.
Que o exemplo da minha pátria Ucrânia, que foi desarmada e desistiu do seu arsenal das armas nucleares em troca de garantias de segurança (asseguramentos de segurança) de estados nucleares, seja útil para você.
A Rússia está demonstrando um exemplo de ataque e guerra em grande escala de um país nuclear contra um país não nuclear.
Mais ainda, o Kremlin já recrutou os seus amigos, que também possuem armas nucleares e tecnologia nuclear, como aliados e ajudantes nesta guerra contra um Estado livre de armas nucleares. Este é um mau sinal para o resto do mundo.
Memorando de Budapeste
A Ucrânia, que detinha o terceiro maior arsenal nuclear no mundo, assinou este documento com a Rússia, os EUA e a Grã-Bretanha em 1994, em troca da sua desistência das armas nucleares, incluindo as táticas, para a Federação Russa. Em particular, o documento afirma o seguinte:
"Refrain from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of the signatories to the memorandum, and undertake that none of their weapons will ever be used against these countries, except in cases of self-defense or otherwise in accordance with the Charter of the United Nations".
"Abster-se da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política dos signatários do memorando e comprometer-se a que nenhuma das suas armas seja alguma vez utilizada contra esses países, exceto em casos de legítima defesa ou de outra forma, de acordo com a Carta das Nações Unidas".
Assim, a Ucrânia desarmada, para a qual as armas nucleares, pelo menos, tácticas seriam um meio de dissuasão de um potencial agressor, entrou neste mundo de guerras e de "predadores" que almejam e caçam territórios e pessoas de outros países, completamente desprotegida tendo apenas o Memorando no seu bolso e a esperança de que as nações nucleares cumpram a sua palavra.
Foto: Presidente da Rússia Boris Yeltsin (esq.), Presidente dos EUA Bill Clinton (centro), Presidente da Ucrânia Leonid Kuchma e Primeiro-Ministro da Grã Bretanha John Major (dir.) na cerimônia de assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Budapeste, 5 de dezembro de 1994. Foto: AP
Quão ingênuos foram os políticos da Ucrânia da época, que concordaram com a redação do Memorando, que não impunha quaisquer obrigações aos países que forneciam garantias ou "asseguramentos" na versão em inglês, do texto deste documento.
Trocar a melhor garantia de segurança própria por duas folhas de papel com as assinaturas dos líderes da Ucrânia – Leonid Kuchma, da Rússia – Boris Yeltsin, dos Estados Unidos – Bill Clinton e da Grã-Bretanha – John Major, foi o sucesso daqueles políticos que, a qualquer custo, procuravam reduzir no mapa mundial o número de países que possuem armas nucleares.
Mas este documento também acabou por ser uma espécie de bomba-relógio, colocada sob a existência do próprio Estado da Ucrânia. O que, há pouco tempo, foi reconhecido por um dos signatários deste Memorando: o 42º Presidente dos EUA, Bill Clinton. Que lamentou ter estado entre aqueles que forçaram a Ucrânia ao desarmamento.
Segue o discurso direto do presidente dos EUA, Bill Clinton:
"I feel a personal stake because I got them [Ukraine] to agree to give up their nuclear weapons. And none of them believe that Russia would have pulled this stunt if Ukraine still had their weapons," he said.
"Sinto um interesse pessoal porque consegui que eles [Ucrânia] concordassem em abrir mão de suas armas nucleares. E nenhum deles acredita que a Rússia teria feito isso se a Ucrânia ainda tivesse suas armas", disse ele.
"I knew that President Putin did not support the agreement President Yeltsin made never to interfere with Ukraine's territorial boundaries – an agreement he made because he wanted Ukraine to give up their nuclear weapons."
"Eu sabia que o presidente Putin não apoiava o acordo feito pelo presidente Yeltsin de nunca interferir nas fronteiras territoriais da Ucrânia – um acordo que ele fez porque queria que a Ucrânia desistisse de suas armas nucleares."
They were afraid to give them up because they thought that's the only thing that protected them from an expansionist Russia," Mr Clinton said. "When it became convenient to him, President Putin broke it and first took Crimea. And I feel terrible about it because Ukraine is a very important country."
Eles [Ucrânia] tinham medo de entregá-los porque achavam que era a única coisa que os protegia de uma Rússia expansionista", disse o Sr. Clinton. "Quando se tornou conveniente para ele, o Presidente Putin quebrou e primeiro tomou a Crimeia. E eu me sinto péssimo sobre isso porque a Ucrânia é um país muito importante."
É assim que "funcionam" os compromissos com as potências nucleares.
A potência nuclear Rússia, que, de acordo com o texto do Memorando de Budapeste, forneceu à Ucrânia garantias (as garantias mesmo, na versão em língua russa do Memorando) de integridade territorial e independência política, ocupou a Crimeia em 2014.
Os cidadãos e os políticos dos países não nucleares do mundo não devem ter ilusões de que um Estado não nuclear possa impedir a guerra e a agressão por parte de um Estado nuclear através do método de compromissos dolorosos.
Em 2014, era popular a ideia, inclusive entre os políticos dos países da NATO, de que a Ucrânia não deveria oferecer resistência significativa à invasão russa.
Estas pessoas ingénuas e rebuscadas fantasiavam que depois de anexar a Crimeia, Putin mandasse suas tropas pararem. No contexto desta visão da situação, a Ucrânia praticamente não ofereceu resistência armada à ocupação russa da península da Crimeia.
Porém, aquela conquista apenas estimulou Putin a um novo ataque, desta vez em grande escala, e à ocupação de outros territórios da Ucrânia no norte, leste e sul do país.
Em março de 2022, as tropas russas chegaram até os subúrbios da capital ucraniana. E apenas a resistência armada organizada da Ucrânia os obrigou a retroceder do centro político do país salvando o Estado ucraniano da ocupação.
Se o mundo continuar a ser dominado por ilusões sobre concessões a um país como a Rússia como principal instrumento de influência sobre ele, isso significará não aprender as lições não só da época do Acordo de Munique de 1938, assinado com Hitler relativamente Checoslováquia, mas também da época moderna, quando se deu a ocupação dos territórios ucranianos pela Rússia.
Dois estados nucleares (Rússia e Coréia do Norte), mais o Irã que está muito próximo a obter arma nuclear, com o apoio político real da China nuclear agindo em conjunto contra uma Ucrânia livre de armas nucleares. O que você achou dessa programação?
De jeito que, hoje, a Ucrânia desnuclearizada é atacada e invadida não apenas pela Rússia nuclear, que, durante o desarmamento da Ucrânia, agiu como garante da soberania e da integridade territorial ucranianas.
Putin, percebendo que a Rússia não pode derrotar os ucranianos num confronto militar entre os exércitos dos dois países, envolveu outra potência nuclear na guerra contra a Ucrânia: a Coreia do Norte.
Além disso, a Rússia recebe ajuda militar do Irã, que desenvolve armas nucleares e possui tecnologia atómica. O Irã fornece à Rússia não só drones de ataque do tipo Shahed, que a Rússia utiliza para atacar a Ucrânia, mas também tecnologias para a sua produção.
O que permitiu à Rússia lançar a produção em massa dessas armas de guerra. Mas esta ainda não é uma lista exaustiva dos países da aliança formada pela Rússia. A República Popular da China apoia politicamente a Rússia, o que dá aos russos "carta branca chinesa" para levarem guerra contra a Ucrânia.
A China apoia regular e demonstrativamente essa "política" russa, os líderes chineses e russos reúnem-se regularmente, os ministérios dos negócios estrangeiros dos dois países informam sobre a natureza amigável de tais reuniões e os militares da Rússia e da China realizam regularmente exercícios conjuntos.
Então, que quadro real temos hoje? Na verdade, três países nucleares uniram-se numa guerra contra a Ucrânia desnuclearizada. O quarto gigante nuclear fornece apoio político ao país agressor – a Federação Russa. Deveria ser este o comportamento dos estados nucleares?
A experiência da Ucrânia como um alerta para o resto do mundo
Desarmada pelos esforços conjuntos da Rússia e dos líderes do mundo ocidental, a Ucrânia deveria servir de aviso para o resto dos estados livres de armas nucleares do mundo.
Primeiro: não há garantia contra um ataque de uma potência nuclear. Segundo: a assistência dos países parceiros, se não fizer parte da segurança coletiva, será dosada e cautelosa.
Para não irritar o líder do país que o atacou. Porque ele tem armas nucleares. E você não tem.
É necessário prestar homenagem e agradecer aos países que prestam assistência e apoiam a Ucrânia nesta guerra terrível e não provocada, quando se trata mesmo da existência de milhões de pessoas no leste da Europa.
Um grande obrigado a todos os países que prestam essa assistência para ajudar a Ucrânia. Mas também é importante compreender que estes recursos e ajuda não são suficientes na guerra contra o agressor, que desde 2000 (quando Putin chegou ao poder) preparava sistematicamente o seu exército e povo para a guerra, enquanto a Ucrânia foi tecnicamente desarmada sem receber garantias de segurança suficientes.
Portanto, a triste experiência da Ucrânia deveria ser um sinal de alerta para outros estados e povos. Principalmente aqueles que não estão sob a égide do sistema de segurança comum com outros países.
Sua força e as melhores garantias estão em vocês mesmos. Nenhuma potência nuclear garantirá a sua segurança.
E países como a Rússia, a Coreia do Norte, o Irão e até a China, que cooperam com o país agressor, bloqueiam as resoluções do Conselho de Segurança da ONU que condenam a agressão russa e apoiam os militaristas russos com exercícios militares conjuntos, podem tornar-se factores que ameaçam a existência do seu estado.
Portanto, na hora de engenhar uma estratégia de defesa e proteção do seu país, vale a pena compreender e levar isso em consideração.
Afinal, a política de defesa do seu país e a disponibilidade de meios de proteção caso alguém queira apagá-lo do mapa mundial depende da sua postura.
Tomem decisões que os manterão seguros neste mundo volátil, sujeito à violência e à guerra.
Acpontece que os odiosos impérios do passado, como enormes répteis que conquistam novos territórios e se alimentam de carne humana, não desapareceram da superfície do planeta. Eles querem ainda mais novos territórios e mais alimentos de carne e sangue humanos.
Dmytro Tuzov, jornalista
tuzov.nv2019@gmail.com
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